quarta-feira, 23 de maio de 2012


A PERCEPÇÃO DO BELO

A existência da preocupação com a aparência provavelmente tem sua origem no período paleolítico e coincide com a própria existência humana. Certo é que esse conceito é mutante e obedece ao período histórico que se observa, assim como, a cultura social de determinado povo.
Para artistas com Da Vinci, a beleza residia na simetria. Platão afirmava que a beleza tornava visível o espírito. Para os pensadores medievais, sobe influência do cristianismo, atribuíam-na como uma criação divina.
A subjetivação da beleza tem sua origem na idade moderna. Para Kant, ela se traduz no juízo que exprime no sentimento de prazer.
De outro modo e contrapondo-se ao conceito do belo há ideia e o conceito de fealdade. Enquanto o belo era formoso e harmonioso, o feio era disforme e desfigurado. Mas quem estabelece esses limites? Tornando o que é considerado bonito agradável aos olhos de quem o ver e o feio que provoca náusea e dissabor?
Todos indistintamente podem exercer a característica do belo ou isso é reservado a poucos, aos “diferenciados”? Os olhares sobre esse binômio são uniformes ou a concepção da beleza é resultado de experiências individuais e/ou ideológicas?
Pretensamente vivemos em uma sociedade ocidental democrática aonde o trânsito entre as diversas classes sociais é mais que uma possibilidade, uma realidade. Pergunto-me se esse trânsito também ocorre entre o que angustia e o que excita os sentidos.
Percebo um desconforto, por que não, um confronto entre as diversas classes sociais na identificação do que é “chique” e entendido como luz aos olhos e o que é brega, algo renegado e não aceito, obscuro. Acostumamo-nos com uma realidade em que as novidades sempre surgiam na corte e eram copiadas pelo povão, pejorativamente chamado de plebe, ralé, mundiça. Pois é, atualmente, não saberia colocar se essa assertiva é verdadeira ou falsa. Percebemos um anivelamento das novidades. A estética da periferia faz hoje uma espécie de “pororoca” com o que é produzido nos grandes salões.
No entanto, há uma faixa de nossa população, que não é pequena, que além de não aceitar a liberdade da estética procura a todo custo descredenciar o que a seus olhos parece ousado demais ou distorcido.
Freud colocava o cultivo da beleza como uma das fontes de sofrimento incontornáveis onde havia algo de indomável que poderia volta-se contra nós mesmos. Nesse contexto, pergunto-me quem é realmente livre, aquele ou aquela que vive segundo critérios próprios de beleza ou quem segue padrões pré-determinados? Até onde o messianismo à beleza ou o ceticismo a ela determina o padrão de comportamento, conduta e até de competência dos indivíduos?
Por sermos um povo mestiço de raça, uma verdadeira salada de genes, deveríamos ter essa questão das diferentes faces da estética muito bem mais resolvida, mas isso não é bem assim.
 Parafraseando Cazuza, temos muitos caboclos pretendendo-se ingleses entre nossa gente. Para esses, esse negócio democracia da estética é retórica para boi dormir e que não existe qualidade, nem beleza em nada que não saia de sua tribo.
Uma das maneiras de diferenciar, estratificar e mais ainda deixar bem claro o posicionamento de cada um nessa cadeia social e pirâmide da aparência surgiu no final do século XIX com a revolução industrial na Inglaterra com a criação do fardamento profissional. Cada profissão de acordo com sua posição no escalonamento social tem seus hábitos e tecidos diferenciados instituindo e convencionando como o belo, obviamente o mais bem sucedido. Dessa forma,  esperam que cada um, por gentileza, reconheça seu lugar e assuma seu papel.
Obviamente, muito antes da revolução industrial alguns grupos se destacavam por sua vestimenta própria como, por exemplo, os cavaleiros templários durante as cruzadas, os militares e o próprio clero hierarquizado.
Dessa Maniera, o uso do uniforme profissional segundo seus criadores teria como objetivo, além do charme, organizar as diversas funções, facilitando o reconhecimento e o bom exercício de cada profissão.
No entanto, pergunto-me sinceramente se na cochia dessa intenção não se esconde o interesse de separar os indivíduos numa espécie de casta disfarçada, instituindo a forma com que cada indivíduo deverá ou merecerá, na ótica de quem tem o poder de ditarem as regras, ser respeitado e tratado. O conceito de beleza e organização a serviço da hierarquia entre as classes sociais.
Ora, salvo engano, todos são iguais perante a lei, certo? Então por que choca tanto a algumas pessoas se um advogado soltar e paletó preto ou azul e se vestir com macacão vermelho de um estivador? Louco, inapropriado seriam os melhores adjetivos que lhe atribuiriam.
Perigosas se tornam as relações sociais quando o continente é mais importante do que o conteúdo. Quando a embalagem for mais valorizada do que o produto estará havendo um profundo desvirtuamento do que realmente importa.
Por tanto, o fato de alguém possuir maior escolaridade ou maior conta bancária que outro não deveria jamais ser parâmetro indicativo de diferenciação de beleza, da maneira de se dirigir a alguém ou do tipo e cor de pano que possa se cobrir.
Quem disse que branco é da paz e o preto da morte? E se a paz quiser se revestir de preto? Se o sol encher-se o saco do amarelo? Se a freira ousar num salto Luís XV e a mulher da esquina barbarizar na botina?  Onde está o disforme ou desfigurado dessas situações?
Talvez eu seja um cego social, pois não enxergo a feiura no fato de pessoas não seguirem rótulos.
Salve, salve a anarquia da beleza...

Júlio Lima
Médico/Professor