sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Texto da cerimônia de recebimento do titulo de cidadão do Recife



            “Sou de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer”. Dizem os versos do poeta Patativa do Assaré.
            Sou da região do Cariri Cearense, do lado de lá da Chapada do Araripe, Sul do Ceará. Devido à proximidade com o Pernambuco, nossa região sempre sofreu uma forte influência acadêmica, social, cultural e até linguística do lado de cá da Chapada.
            Lembro-me ainda criança, ouvir histórias do Recife contadas por àqueles que vinham aqui estudar. Boa Vista, Rua do Sol, Rua da Aurora, Rua do Príncipe eram nomes que, desde muito cedo, povoavam o meu imaginário. Achava Incrível, os lugares serem nominados dessa forma. No Juazeiro do Norte, todas as ruas possuem nomes de Santos: Padre Cícero, São José,  Santa Rosa, Santa Luzia, Todos os Santos e por aí vai.
            Como todos daquele lugar, sou de uma família muito religiosa, estudava em colégio de freiras e morava numa cidade que recebia milhares de romeiros anualmente.  Pessoas de todos os recantos do Nordeste que ao nos visitar, nos presenteavam com suas oralidades, maneiras de serem e agirem.
            O encontro com toda essa gente, que iam frequentemente à terra do meu Padim,  vindas principalmente da Paraíba, Pernambuco e Alagoas, acabava trazendo uma maior identidade nossa com esse povo; até mesmo, maior que o restante do Ceará central e do Norte, onde fica a capital.
            Muito jovem, fomos morar em Fortaleza levados por meus pais. Pessoas com pouco estudo, no entanto, com vista larga. Um casal que abriu mão de alguma estabilidade que tinha, para oferecer possibilidades aos seus filhos. Pais extremamente amorosos, porém bastante disciplinadores.
            Costumo dizer que a criança, o jovem, na educação doméstica até aprende com os ensinamentos verbais, mas aprendem principalmente com os exemplos de quem representam autoridade.
            Como hoje estou sendo adotado por essa magnífica cidade, também fui, na infância, por uma admirável família que juntamente com meus pais conduziram minha formação humanista, ética e moral.
            Nessas famílias, aprendemos sobre tudo, a respeitar e valorizar o Ser Humano; O valor de ser verdadeiro, ser honesto consigo mesmo e com o outro.
 Aprendemos que rir mais, trás felicidade e percebermos que é inteligente sermos gentis, buscar um equilíbrio entre o trabalho e o lazer, poder usar terno e andar descalço, correr no sol e banhar-se na chuva,
Ser firme em seus propósitos, mas nunca perverso. Ser competitivo, sendo também leal.  Buscar posses sem ser avarento. Exercer o poder e não ser tirano. Gostar do azul, mas respeitando quem prefere o vermelho;
Aprendemos ainda, que nunca se chega a um objetivo sozinho e que devemos diuturnamente reconhecer e agradecer àqueles nos ajudaram e ajudam.
 Aprendi que não há equilíbrio sem uma forte ligação com o ser divino, com a fé, pois ela é a matéria prima para o grande enfrentamento desse fantástico espetáculo que é a vida.
Para nós, Cearenses do cariri, Fortaleza era uma terra longínqua. Só quem subia a ladeira do Juazeiro à terra do sol eram aqueles, como foi meu caso, cujos pais trabalhavam em empresas estatais e não lhes restava outra solução.
Recordo-me da boa inveja que sentia quando encontrava minha prima, aqui presente Val e ouvia atenciosamente seus relatos sobre a efervescência da cena cultural da Zona da Mata pernambucana. Tudo aqui era muito bom em seu discurso.
Recife já era nos anos noventa, o segundo polo médico do País e, também por isso, para mim era um sonho, um objetivo a ser conquistado.
Ainda em Fortaleza, estive presente ativamente dos movimentos estudantis e culturais da cidade. No último ano do ensino médio, antigo segundo grau, participei da montagem da peça “Morte e vida Severina”  e assisti, em praça pública, a um espetáculo que reunia Antonio Nóbrega e Alceu Valença, no qual mostravam várias vertentes da cultura Pernambucana. Essa superdosagem de pernambucanidade, aliada a excelência da Medicina aqui praticada, foram decisivas para vir ao Recife fazer meu primeiro vestibular. Era aqui no Recife que eu queria morar.
Não cheguei pelo mangue como o Severino de João Cabral, mas visualizei a beleza do Rio Capibaribe e me apaixonei.
Quem conhece Recife e de sua fonte urbana bebe, jamais a esquece, jamais consegue deixá-la por completo. Como diz o poeta Nilo Pereira – “Essa cidade é mágica, meio bruxa, enfeitiça, quebranta, tira as forças”.
Anos depois, viria estudar e morar definitivamente nesta cidade tão bela, tão rica de recursos humanos e tão cosmopolita.
Aqui fiz muitos amigos, vivi grandes paixões e também aqui plantei minha semente profissional.
Fiz residência médica no Hospital Getúlio Vargas, lugar pelo qual cultivo grande apreço e ainda sinto como minha casa, pois lá ainda se encontram grandes mestres.
Viver em Recife, trabalhar nos lugares que trabalho, conviver com as pessoas com que convivo faz de mim um homem feliz e realizado.
Agradeço a Deus e a Maria Santíssima por ter me dado às famílias e os amigos que me deram; e por terem colocado as pessoas certas em minha trajetória.
Agradeço ao Real Hospital português (pela credibilidade em meu trabalho), A universidade Maurício de Nassau (por permitir-me que faça parte de sua história), a AACD ( por conceder que eu realize um trabalho no qual tanto acredito e amo tanto) e ao Hospital de Fraturas ( Por ter sido o primeiro a acreditar em mim e me estender a mão após a residência).
Agradeço ao povo do Recife que só o bem tem me feito e alegria tem me dado.
Agradeço a Vereadora Dra. Vera Lopes pela sensibilidade, amizade e pelo reconhecimento ao amor e sacerdócio com que exerço minha profissão.
Agradeço aos meus pacientes, aos quais dedico meu ofício, meu amor e meu respeito profundo.
E, finalmente, obrigado a Cidade do recife por me acolher como filho e por tanto júbilo ter me dado.

Júlio Lima
Recife 25/10/12

domingo, 7 de outubro de 2012

Os nínguéns

Um excelente texto de Eduardo Galeno... Uma questão de cidadania!!!


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O protótipo do puxa-saco


                                                   O protótipo do puxa-saco

           Estamos mais uma vez nos aproximando de uma eleição em nosso país. Nesses tempos de euforia civil é bastante comum vermos acompanhando os candidatos ao pleito maior e aos pretendentes às cadeiras das câmaras legislativas uma figura emblemática, enigmática, quase mística, o puxa-saco.
            Acredita-se que o termo puxa-saco teve sua origem ainda no Brasil colônia. Tratava-se de sujeitos que sempre procuravam carregar os sacos de pano com os pertences de militares do exército, recém-chegados no lugar, de olho na gorjeta que poderiam receber.
            Pois bem, a pesar de estarem mais à vista nessa época do ano de eleição, indivíduos dessa espécie podem ser encontrados e reconhecidos em todos os lugares onde a hierarquia esteja presente.
            Traçar um perfil desses sujeitos não é tarefa fácil, pois possuem várias nuances e diferentes representações. Observam-se desde os sujeitos folclóricos subservientes por admiração e amor até àqueles que nutrem raiva e rancor sobre quem bajulam.
Existem os mais empolgados, que não se envergonham, mostram-se em qualquer lugar e ainda levantam bandeira de suas condutas. Alguns gostariam até lançar uma parada como o dia nacional do orgulho dos puxa-sacos.
            Outros por sua vez, absurdamente perniciosos, são enrustidos, dissimulados, mais camuflados que pebas em buraco e mudam de máscaras a cada vento ou evento, a cada interesse.
            Não podemos, contudo, acreditar que a maioria das relações onde o quociente de poder esteja presente siga esse modelo. Claro que há em muitas relações equilíbrio da ligação entre o comandante e o comandado que, por vezes,  atua como amigo e conselheiro, no entanto, sem abrir mão de suas verdades e convicções e sem fazer disso uma moeda de troca.
            A interseção entre todos os lambe-botas de carteirinha parece-me ser a pura falta de pensamento e vontade próprios com uma permissividade canina, acomodando-se falsamente a qualquer situação desde que se tire dela algum proveito momentâneo ou tardio.
            O sujeito bajulador é altamente competitivo. Consome muita massa cinzenta nas incontáveis tentativas de saber o que poderia agradar o seu chefe. Se não consegue fazê-lo, ou pior, se alguém o faz mais rápido, ele chega a angustiar-se, consumir-se, sofrer intensamente. Não por que não agradou seu superior, mas por que alguém ousou, mesmo não intencionalmente, fazer algo que ele tanto desejava, antecipadamente a si.
            O baba-ovo é antes de tudo um sujeito com parca autoestima. Àquele explicitamente lisonjeador talvez o seja por excessiva admiração ou por acreditar ser incapaz de realizar as tarefas que lhe são atribuídas e com medo de perder seu posto lança-se sem pudor aos pés de quem exerce ou representa poder.
            De outra forma, o dissimulado, o mascarado é um elemento isento de valores morais. Absurdamente ambicioso e que, percebendo-se incompetente, não exita em gastar seus dias procurando agradar, das mais simples às mais sórdidas formas, aquele que possua algum atrativo para a conquista de seus objetivos.
            Na verdade há uma proporcionalidade entre o número de lacaios e de chefes bossais que, sem possuírem luz própria, necessitam desse tipo de holofotes. Há um verdadeiro comensalismo entre esses seres anômalos. Existe uma ligação tão intensa de antropofagia energética que ambos criam um campo magnético que os mantém sempre próximo um do outro. Não há subserviente sem tirano.
            O capacho não mede esforços para agradar seu amo: Mente, falseia, faz intrigas, apropria-se de ideias alheias, dar gargalhadas das piadas xenofóbicas, racistas e homofóbicas. Apoia os discursos e pensamentos sem nexos e, se duvidar, ainda dar uma abanadinha no rabo. Tudo pelo pífio ofício de agradar seu superior em troca de ambições vis.
            O puxa-saco orgulha-se de ser apolítico, pois apoia quem possa lhe trazer alguma vantagem.
Não tosse por nenhum time em especial, nem possui religião, não possui uma cor preferida, nem estilo musical próprio.
 É um animal, com perdão aos animais sem querer ofendê-los, apaixonado pelo dinheiro, sem alma, sem pudor, sem fé. Assemelham-se às mais peçonhentas serpentes, pois leva a vida rastejando e destilando veneno.
Quando se encontram numa situação conflituosa, como quando diante de dois hierarquicamente superiores e discordantes, o cara lisa apenas balança a cabeça com sinal de concordância e em hipótese nenhuma emite seu parecer.
Esse tumor social na grande maioria das vezes é absurdamente perverso e debochado sobre seus subordinados. Possui mórbido prazer diante da dificuldade de um colega e é incapaz de ajudar alguém que não tenha nada a oferecê-lo.
Um tipo de xeleléu bastante frequente é o puxa-saco de si mesmo. Esse é terrível, pois acredita piamente que é a última freira virgem do planeta. Acredita-se o fodão. Vive gabando-se de seus feitos ou malfeitos; do quanto, à sua vista curta, é garboso, inteligente, isso e àquilo.
Doutra maneira, geralmente é solitário, pois seu narcisismo lhe impede de enxergar qualquer pessoa além de si mesmo. Como afirmou Plutarco, filósofo grego, quem gosta de bajulação está perdidamente enamorado de si.
O que nos deixa bastante tristes é que esses indivíduos são altamente viris socialmente, ocupam postos estratégicos e interferem na vida de muitos. Com seu ardil e veneno destroem reputações, amores, sonhos, lares, carreiras e amizades.
Assim como cada veneno há um antídoto, para cada puxa-saco há alguém com luz própria e fortaleza de espírito.
Acredito que uma forma eficaz de defender-se desse tipo de verme é ,como aprendi desde cedo com minha mãe, rezar um credo nas costas do sujeito que queira engoli-lo e desejar-lhe o bem”.
Pois sim, a oração e o bem são as vacinas contra os miseráveis de espírito. Por isso, “ore e vigie”, pois sempre valerá a pena ser coerente com seus princípios.
A verdade expressa no verbo e no olhar foi antes construída na alma, por isso, ouros, pratas, louros e títulos, a pesar de serem muito bons, são antes de qualquer coisa, vírgulas, e devem ser conquistados com lisura e trabalho.
Escreva sua história. Honre sua biografia.
Júlio Lima
Médico/professor