sábado, 10 de setembro de 2016

Você sabe conversar?

A maior busca do ser humano consiste em encontrar alguém que caiba em sua loucura. "João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria..." Drumond, Vinicius, Edu lobo e tantos outros compositores e poetas já descreveram as vicissitudes das relações humanas. Fato que nos mostra que tal apanhado não é prerrogativa das novas gerações. No entanto, a maneira como as pessoas lidam com os contratempos e as contrariedades nas relações com seus pares tem se mostrado diferentes no evoluir dos tempos.
                        Cada pessoa constrói seu modelo de desejo, seu arquétipo perfeito que a fará feliz e dessa forma se lança em um palheiro de dimensões exageradas na ânsia ou esperança do encontro com seu par perfeito ou a outra banda da esfera perdida do mito de Andrógino.
                        Observando a volatilidade das relações atuais, questiono- me se algo está errado agora ou outrora que não se acertou?
                        Vivemos numa busca quase insana pelo prazer em detrimento de qualquer desconforto. Como na maioria dos objetos, atualmente fabricados, que quando apresenta alguma falha já não interessa seu concerto e automaticamente se troca por um novo, as relações humanas têm seguido esse modelo.
                        Romances céleres, amizades frágeis, encontros casuais, amistosos e impessoais. Não se dispõe mais de tempo para o banco da praça, para a conversa, para pequenas gentilezas cotidianas frutos do convívio. Será que essas coisas eram chatas mesmo?
                        O prazer é a droga do momento e, como toda substância que trás sensações intensas em parco tempo, causa dependência e logo, logo se necessita  de cada vez mais emoção que traga empacotada doses também casa vez maiores dessa "porção" para chegar ao êxtase tão perseguido. Em pouco tempo, o parceiro ou parceira já não satisfaz a carência do outro. Um fosso já se instalou e agora tudo é pouco. Detalhes pessoais de cada um no cotidiano podem receber um holofote e ser motivo para a instalação de uma tempestade. A presença do prazer não satisfeito na dose exigida começa a minar a relação. O outro já não representa tanto. 
                        Observamos pessoas abrirem mão de relações aparentemente sólidas, construídas com esmero, para lançarem - se em aventuras em busca de alacridade cada vez mais intensa. O céu é o limite, pena que nem sempre quantidade faz par com qualidade.
                        O individualismo, estimulado pela sociedade de consumo, tem mutado e fecundado seres que não conseguem enxergar nada além de seu próprio umbigo. Legiões de narcisos frequentam academias, shoppings, festas, bares que se cegam para qualquer coisa além de si mesmos. Correm o risco de terem o mesmo destino de Narciso que se afogou e morreu inebriado por sua própria imagem.
                        De outra forma, será que o ser humano está se libertando das convenções sociais que lhes foram impostas e está dando vazão ao que existe em si como essência? A espécie humana é poligâmica por natureza? O chakra sexual é o centro do comando do humano e o cérebro é seu apêndice? Quem gosta de maçã, gostará de todas por que todas são iguais?
                        As sociedades se estruturaram e se estruturam por normas que indicam códigos de condutas e, dessa forma, estabelece o que é lícito ou não; o que é certo ou errado. Assim nasceu e vingou o conceito de família.
                        Em tempos atuais esse conceito tem sido ampliado, ao mesmo tempo em que observamos um reordenamento nessa estrutura, pois famílias se constituem e se desfazem, ou se ampliam, com frequência cada vez maior. Joãozinho que é filho de Tiago, este padrasto de Anita, cujo pai namora Antonio, ex- marido de Carminha, madrasta de Cecília que está na terceira série do fundamental.
                        Parte desse contexto começa a ser desenhado quando o primeiro insatisfeito decide mudar o endereço de sua conta telefônica ainda nas primeiras crises conjugais. A insatisfação eterna, mesmo pensada de forma diferente, geralmente não tem alojamento no outro, sua gênese está no próprio sujeito que a aloja, que trás em si um fosso que talvez nunca seja preenchido, onde o máximo ainda significa o mínimo.
                        O humano há muito se afeiçoou ao novo (no seu sentido de novidade), isso é pauta encerrada. A questão que levantamos é o quanto o novo tem assumido relevância na hierarquia de suas prioridades? Não sei se enxergo muito mal, mas a sensação que tenho é que os transeuntes da praça estão muito acelerados e assim só conseguem ter visão macro em seu entorno. Já não dá tempo da fruta amadurecer em seu "pé", ainda verde é arrancada e lançada ao carbureto, é bela, mas sem nenhum sabor. É como comida de restaurante. Alguém já comeu fora de casa? Pratos aparentemente bonitos, bem dispostos, porém com sabor de nada.
                        Dessa maneira observamos parte das relações. Já não há convivência. Pulam- se etapas e lançam - se no carbureto da paixão, percebendo- se com brevidade que mais uma vez o prazer mostrou- se efêmero. Passado o primeiro tesão da beleza e a primeira gozada, instala- se o desconforto e a vontade de mudar mais uma vez. Essa mudança pode ocorrer de forma saudável, onde a companhia é informada e cada um segue em sua busca, ou de forma doentia, onde por covardia alguém não é informado e passa a haver traição.
                        Quem está com a razão? O novo modelo nas relações ou o antigo? Quantidade ou qualidade? Liberdade ou estado de sentir- se preso? Ética ou imoralidade? A dualidade é o que caracteriza o ser humano e, nessa questão, você procura alguém que caiba em sua loucura ou nos seus sonhos? O que pode ser redesenhado? Alguma coisa pode?
                         Talvez não tenhamos respostas para tais questionamentos, mas quem sabe se uma boa conversa não minimize a rotatividade das relações?