A PERCEPÇÃO
DO BELO
A existência
da preocupação com a aparência provavelmente tem sua origem no período
paleolítico e coincide com a própria existência humana. Certo é que esse
conceito é mutante e obedece ao período histórico que se observa, assim como, a
cultura social de determinado povo.
Para
artistas com Da Vinci, a beleza residia na simetria. Platão afirmava que a
beleza tornava visível o espírito. Para os pensadores medievais, sobe
influência do cristianismo, atribuíam-na como uma criação divina.
A
subjetivação da beleza tem sua origem na idade moderna. Para Kant, ela se
traduz no juízo que exprime no sentimento de prazer.
De outro
modo e contrapondo-se ao conceito do belo há ideia e o conceito de fealdade.
Enquanto o belo era formoso e harmonioso, o feio era disforme e desfigurado.
Mas quem estabelece esses limites? Tornando o que é considerado bonito
agradável aos olhos de quem o ver e o feio que provoca náusea e dissabor?
Todos
indistintamente podem exercer a característica do belo ou isso é reservado a
poucos, aos “diferenciados”? Os olhares sobre esse binômio são uniformes ou a
concepção da beleza é resultado de experiências individuais e/ou ideológicas?
Pretensamente
vivemos em uma sociedade ocidental democrática aonde o trânsito entre as
diversas classes sociais é mais que uma possibilidade, uma realidade.
Pergunto-me se esse trânsito também ocorre entre o que angustia e o que excita
os sentidos.
Percebo um
desconforto, por que não, um confronto entre as diversas classes sociais na identificação
do que é “chique” e entendido como luz aos olhos e o que é brega, algo renegado
e não aceito, obscuro. Acostumamo-nos com uma realidade em que as novidades
sempre surgiam na corte e eram copiadas pelo povão, pejorativamente chamado de
plebe, ralé, mundiça. Pois é, atualmente, não saberia colocar se essa assertiva
é verdadeira ou falsa. Percebemos um anivelamento das novidades. A estética
da periferia faz hoje uma espécie de “pororoca” com o que é produzido nos grandes salões.
No entanto,
há uma faixa de nossa população, que não é pequena, que além de não aceitar a
liberdade da estética procura a todo custo descredenciar o que a seus olhos
parece ousado demais ou distorcido.
Freud
colocava o cultivo da beleza como uma das fontes de sofrimento incontornáveis
onde havia algo de indomável que poderia volta-se contra nós mesmos. Nesse
contexto, pergunto-me quem é realmente livre, aquele ou aquela que vive segundo
critérios próprios de beleza ou quem segue padrões pré-determinados? Até onde o
messianismo à beleza ou o ceticismo a ela determina o padrão de comportamento,
conduta e até de competência dos indivíduos?
Por sermos
um povo mestiço de raça, uma verdadeira salada de genes, deveríamos ter essa
questão das diferentes faces da estética muito bem mais resolvida, mas isso não é
bem assim.
Parafraseando Cazuza, temos muitos caboclos
pretendendo-se ingleses entre nossa gente. Para esses, esse negócio democracia
da estética é retórica para boi dormir e que não existe qualidade, nem beleza
em nada que não saia de sua tribo.
Uma das
maneiras de diferenciar, estratificar e mais ainda deixar bem claro o
posicionamento de cada um nessa cadeia social e pirâmide da aparência surgiu no
final do século XIX com a revolução industrial na Inglaterra com a criação do
fardamento profissional. Cada profissão de acordo com sua posição no
escalonamento social tem seus hábitos e tecidos diferenciados instituindo e
convencionando como o belo, obviamente o mais bem sucedido. Dessa forma, esperam que cada um, por gentileza, reconheça
seu lugar e assuma seu papel.
Obviamente,
muito antes da revolução industrial alguns grupos se destacavam por sua
vestimenta própria como, por exemplo, os cavaleiros templários durante as
cruzadas, os militares e o próprio clero hierarquizado.
Dessa Maniera, o uso do
uniforme profissional segundo seus criadores teria como objetivo, além do
charme, organizar as diversas funções, facilitando o reconhecimento e o bom
exercício de cada profissão.
No entanto, pergunto-me
sinceramente se na cochia dessa intenção não se esconde o interesse de separar
os indivíduos numa espécie de casta disfarçada, instituindo a forma com que
cada indivíduo deverá ou merecerá, na ótica de quem tem o poder de ditarem as regras, ser
respeitado e tratado. O conceito de beleza e organização a serviço da
hierarquia entre as classes sociais.
Ora, salvo
engano, todos são iguais perante a lei, certo? Então por que choca tanto a
algumas pessoas se um advogado soltar e paletó preto ou azul e se vestir com
macacão vermelho de um estivador? Louco, inapropriado seriam os melhores
adjetivos que lhe atribuiriam.
Perigosas se
tornam as relações sociais quando o continente é mais importante do que o
conteúdo. Quando a embalagem for mais valorizada do que o produto estará
havendo um profundo desvirtuamento do que realmente importa.
Por tanto, o fato de
alguém possuir maior escolaridade ou maior conta bancária que outro não deveria
jamais ser parâmetro indicativo de diferenciação de beleza, da maneira de se
dirigir a alguém ou do tipo e cor de pano que possa se cobrir.
Quem disse
que branco é da paz e o preto da morte? E se a paz quiser se revestir de preto?
Se o sol encher-se o saco do amarelo? Se a freira ousar num salto Luís XV e a
mulher da esquina barbarizar na botina?
Onde está o disforme ou desfigurado dessas situações?
Talvez eu
seja um cego social, pois não enxergo a feiura no fato de pessoas não seguirem
rótulos.
Salve, salve
a anarquia da beleza...
Júlio Lima
Médico/Professor