Quase
concomitantemente, vejo duas notícias que me chamaram a atenção nessa semana
que se passou: Mais um massacre de civis inocentes, na maioria crianças
indefesas, nos Estados Unidos da América, por um louco fortemente armado e o
nordestino é o povo mais feliz no Brasil. Se o Nordeste Brasileiro fosse um
país estaria entre os dez mais felizes do mundo.
Esses
fatos podem nos levar a várias reflexões, de toda e qualquer ordem. Como gosto
muito de geopolítica, economia e relações humanas, trilharei esse caminho.
Observamos
uma perseguição doentia dos países pelos indicadores de crescimento econômico,
receio de recessão, medo de cair no “ranking” dos mais bem sucedidos e corrida
frenética, patética e patológica por aumento da produtividade em todos os
setores.
As
cidades (principalmente as do continente americano e asiático) buscam cada vez
mais crescimento e progresso. Vende-nos
a ideia que felicidade é diretamente proporcional à posição que assumimos no
grupo social que convivemos, nossa conta bancária, quantidade de metal que
possuímos, grifes que vestimos, automóveis que usamos, ambientes que
frequentamos.
Imagino,
no entanto, que está tudo errado. O que era para ser, simplesmente não é. Essa
conta matemática não fecha. Venderam e compramos a mentira no que se refere ao
progresso e poder aquisitivo trazer felicidade.
Se
assim fosse, não era para ocorrer suicídios em demasia no Japão e países nórdicos,
bandidos sem causa nos EUA que mata e morre por causa nenhuma, infelicidade e
terror em São Paulo, maior e mais rica metrópole brasileira.
Pergunto-me
que ganho teve o cidadão comum das grandes cidades com seus crescimentos desordenados
e chegada do progresso? No Nordeste, o que diriam os filhos de Fortaleza,
Recife e Salvador, por exemplo.
Questiono-me
mais ainda por que cidades como João Pessoa, Natal e Aracajú estão caminhando
para o mesmo destino? Já que encontrarão em um futuro muito próximo a mesma
dificuldade de mobilidade com trânsito insano lento e violento, favelização dos
morros e encostas, aumento do índice de criminalidade, pedintes e miseráveis em
todos os semáforos, aumento do custo de vida, maior distanciamento entre a
residência e o trabalho ou estudo, menor tempo para dedicar-se aos seus,
desvalorização dos produtos locais e regionais em favor dos importados de menor
qualidade, degradação das relações pessoais que passam a serem impessoais e
burocráticas demais, burocratização crescente dos serviços públicos,
verticalização dos bairros jogando o cidadão comum para as periferias,
destruição, desertificação e violência das regiões centrais.
Na
Europa, a maioria das cidades possui porte mediano e há uma preocupação local
para deter a expansão predatória que certamente desaguaria na perda da
qualidade de vida. Sua viabilidade econômica é garantida na medida em que
descobre sua principal vocação (fomento de pesquisa e tecnologia, gastronomia e
turismo, industrial, etc) e se dedica a ela de forma sustentável.
No
entanto, assistimos atualmente essa mesma Europa enfrentar uma das maiores
crises de sua história. Atribuímos, parte desse sufoco enfrentado pelo velho
continente ao crescimento de países que, juntamente com os Estados Unidos,
impõem uma rotina acelerada de trabalho, priorizando a produção de bens de
consumo duráveis e/ou descartáveis e de serviços com extensa carga horária de
trabalho que leva a degradação do material humano furtando-lhe os melhores e
mais saudáveis anos de sua vida.
Óbvio
que queremos progresso e desenvolvimento, no entanto, elas não podem vir à
custa da saúde e da vida de nosso povo. Estamos fazendo o país crescer e
morrendo a cada dia de solidão, desapego, indiferença com os demais, doenças
laborais e depressão.
O
ritmo de produção nos parques industriais e a competitividade no mundo
corporativo nas empresas dos países com crescimento acelerado têm aumentado
proporcionalmente ao número de doenças e doentes ocupacionais e psicossociais. Há
uma tentativa obscena de mecanização do homem. Nunca o homem foi tão lobo do
homem como nesse nosso tempo.
Estamos
com nossas vidas entregues nas mãos de grandes organizações corporativas,
muitas delas europeias inclusive, que impondo ao mundo o modelo de economia
canibal, principalmente nos países ditos em desenvolvimento, se veem diante e
vítima do monstro por eles criado. Ganha mais quem especula, ou seja, o feitiço
recai sobre o feiticeiro.
No
entanto, não creio que a perda de direitos trabalhistas e arrocho salarial e
fiscal sobre a população europeia seja a solução para o problema que eles
mesmos criaram. Temos que fazer a hora e aproveitarmos a oportunidade para ao
invés de apenas assistirmos a agonia do outro lado do atlântico, combater esse
modelo de política e economia imposto ao mundo, aonde o ser humano é o maior
perdedor. Não só garantir a manutenção dos direitos e desenvolvimento
sustentável para eles, assim como, fazer com que essa conquista seja
compartilhada com os filhos dos demais continentes.
Os
países asiáticos com sua disciplina cega se ergueram como verdadeiros dragões e
agora lançam fogo para todo o planeta fomentando juntamente com os Estados
Unidos, a concepção de grandes metrópoles como símbolo de crescimento e
virilidade econômica.
Nessa
guerra monetária e modelo desenvolvimentista de megacidades e aglomerados
humanos perde o cidadão comum. Este ver sua liberdade subtraída, passa a
residir em celas gradeadas e portões altos ou deixam o chão e trepam-se em
prédios esteticamente bonitos e pouco confortáveis. Verticalizam-se inclusive
as relações, cada vez mais educadas, formais e pouco humanas.
Você
então diria: E o nordestino aonde se encaixa nesse contexto?
O
nordestino é um povo que trás em sua constituição genética, o gen da
resistência. Mesmo com o que foi feito com Recife, salvador e Fortaleza e
querem fazer com outras cidades. Esse povo, mesmo assim, luta e se nega a abrir
mão de sua alegria, de sua força mansa, de sua visão e crença do que é
felicidade e do que necessita para encontrar-se com ela e dela ser companhia.
No
Nordeste, o sol aquece os corações derretendo a frieza, o gelo dos modelos
americanos, europeus e asiáticos de enxergarem e viverem a vida aonde o lucro,
a mais valia e a baixa temperatura das relações humanas impera. Muita
cordialidade e muito distanciamento entre os homens.
O Nordeste brasileiro estampa para o mundo que
nem todo rico é necessariamente normal ou feliz. Que o trabalho de sol á sol
carece de festança à luz da lua.
Nesse
canto brasileiro encontra-se beleza no que parece feio, luz aonde parece
escuridão. Um povo que consegue rir até do próprio sofrimento sem, no entanto,
sucumbir.
A
burocratização das relações humanas e o desvirtuamento de valores com
hipertrofia das questões materiais em detrimento do bem-estar social e humano
cria monstros solitários e homicidas que matam e morrem por nada.
Júlio
Lima
Médico/
Professor