quarta-feira, 17 de julho de 2019

O que falta para chegarmos ao fundo do poço?

Fonte da imagem: Internet

    O Brasil, na última eleição, rejeitou o projeto político que o governou por 13 anos e elegeu um presidente de extrema-direita. Observou-se um processo eleitoral com a sociedade dividida e discursos de ódio sem pudores. Veio à lona a imagem de um povo pacífico, tolerante com as diferenças e com as liberdades. Máscaras descolaram-se e caíram. O compromisso com a verdade e a ética foi lameado de notícias falsas. O combate a corrupção era o mote do candidato vencedor, um político antigo que dizia fazer nova política. O que terá levado Bolsonaro a vitória e ao próprio surgimento do Bolsonarismo no Brasil?
       A humanidade se desenvolveu em torno de suas crenças religiosas. No Ocidente, as três principais religiões possuem origem na mesma região – Oriente Médio. Em 70 d.c, o Império Romano destrói o templo de Jerusalém na grande revolta judaica. No Século V da era cristã surge o Islamismo. Em 638, tropas islâmicas tomam Jerusalém. Em 1095, O papa Urbano II proclama a primeira cruzada a fim de auxiliar os cristãos ortodoxos do leste e libertar Jerusalém e a Terra Santa do domínio muçulmano. A primeira cruzada associado a reconquista da península ibérica define o fortalecimento do Ocidente que, aliado à formação dos Estados e o Imperialismo, possibilitam o acontecimento dos descobrimentos.
       Nos séculos XVIII e XIX, ocorre na Inglaterra a Revolução Industrial cuja principal característica foi a substituição do trabalho artesanal pelo assalariado e com uso de máquinas. Nesse período há um aumento exponencial do consumo de combustíveis fósseis, sendo o petróleo seu principal. O controle das reservas desse mineral, combinado ao seu uso determinou as mudanças econômicas, sociais e políticas globais. Com tais mudanças no cenário mundial, o início do século XX pode ser comparado a um grande caldeirão em ebulição: as diferenças religiosas permanecem fortes, o aguçamento dos interesses de classes sociais divergentes e a corrida mundial na disputa do petróleo. A partir daí dá-se início a uma grande corrida armamentista, o que aumenta mais ainda a tensão no velho continente, até que em 1914 sucede-se a primeira guerra mundial, a qual dá origem, após seu término, aos regimes totalitários. Ideais nacionalistas tomam conta da Europa, sendo os mais famosos, na Itália, o fascismo de Mussolini; na Alemanha, o nazismo de Hitler; na União Soviética, o comunismo de Stalin.
       Com o fim da primeira guerra, na Alemanha, para eximir-se da responsabilidade pela derrota, toma força uma teoria conspiratória chamada “punhalada pelas costas”. A população alemã se fez acreditar e acreditou se vir como vítima. A imaginação e aceitação (popularização) dessa teoria deslegitimou o então governo alemão de Weimar ocorrendo sua desestabilização e abrindo caminho para o surgimento do nazismo, que não reconhece o Tratado de Versalhes mantendo tensão no Continente. O êxito da revolução comunista dos Bolcheviques de 1917, na Rússia, constitui-se outro ponto importante de tensão na região. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial é, entre outros fatores, resultado da utilização, por Hitler, do ressentimento que a população alemã nutria pelas nações vencedoras da primeira guerra, transformando esse ressentimento em motor para sangria bélica em nome de uma “consciência nacionalista”. A Alemanha de Hitler sai derrotada. Ao término da guerra emerge-se duas grandes potências: a União Soviética e os Estados Unidos, protagonistas da Guerra Fria, colocando o mundo em total alerta de destruição nuclear.
       No Oriente médio, centro produtor de maior parte do petróleo mundial, ocorre a criação do Estado de Israel, em 1948, pelas Organizações das Nações Unidas (ONU). A decisão aprofunda os conflitos entre judeus e árabes. Os semitas advindos do grande fluxo de imigração estimulados, em parte, pela ideia de retorno à "terra santa", além de, interesses econômicos e estratégicos na região dos EUA; enquanto os mouros, estabelecidos no território palestino há mais tempo, reprovavam a ideia de Estado duplo (Judeu/Árabe), bem como a cooptação de território sagrado pelos Judeus apoiados por grandes potências imperialistas. A Guerra dos Seis Dias, em 1967, gera ainda mais conflitos na região. A criação do Estado Palestino se dá em 1988 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), porém a maioria das áreas reivindicadas pelos palestinos estão ocupadas por Israel. Em 1979 acontece a revolução Iraniana ocorrendo a ascensão do fundamentalismo Islâmico e o fenômeno do terrorismo como parte do Jihad (Guerra Santa) que objetiva o estabelecimento do califado (unificação da população muçulmana em um único país).
       Mesmo com a Guerra Fria e após seu término, em 1989, com a queda do muro de Berlin, no mundo ocidental, após a segunda guerra mundial e declínio de alguns regimes totalitários, experimenta-se um período de grandes avanços sociais e de políticas identitárias com grandes conquistas nos direitos dos trabalhadores, de grupos étnicos, movimento feminista e de minorias alcançando patamar jamais visto. No entanto, o capitalismo em sua face moderna (neoliberalismo) com o surgimento e crescimento de novas tecnologias e de mercados reais e virtuais com a forte presença de especulações faz surgir o fenômeno de bolhas como, por exemplo, às ponto com e imobiliárias sucedendo crises cíclicas ao sistema e tendência ao colapso. Com isso, o sistema busca, através do sufocamento do proletariado, se reerguer a cada episódio de crise fazendo com que quem não a causou que a pague (o trabalhador).
       Em 11 de Setembro de 2001, o símbolo do capitalismo mundial é atingido por um ataque terrorista, fato que já se sucedia em toda a Europa, o que gerara acentuada onda de medo e terror nesses países. Aliado a isso, o velho continente sofre ondas migratórias por refugiados que, segundo a ONU, é a maior desde o final da segunda guerra mundial, oriundos da África e Oriente Médio, na sua maioria, por ações de grupos terroristas, conflitos internos, perseguições políticas, guerras e violação dos direitos humanos. O terrorismo, a crise dos refugiados, a crise do capitalismo neoliberal causado pelas especulações sui generis ao sistema, na qual sua existência é incompatível com a manutenção dos direitos trabalhistas, avanços sociais e políticos conquistados nos últimos 60 anos são elementos que trazem como consequência o ressurgimento de ideias e fortalecimento de grupos e partidos nacionalistas e conservadores de extrema direita.
        No Brasil, não há como compreender o Bolsonarismo sem a compreensão dos fatos relacionados da geopolítica mundial, descritos aqui sem o rigor acadêmico, mas que nos coloca na cena desse fenômeno. Ainda vivenciamos o período imperialista onde poucas nações, através dos “descobrimentos”, exploraram as demais numa lógica perversa de desrespeito à autodeterminação dos povos, soberania nacional e independência econômico- cultural.
       O Brasil em sua formação colonial traz a marca dessa influência invasora e corruptora que, embora não se faça nos moldes propriamente imperialistas do século XIX, não a torna menos devastadora. A Ilha de Vera Cruz nasce no berço de conflitos mercantilistas, cuja violência institucional, percebidas pela corrupção e matança desenfreada, atingia àqueles cuja terra lhes pertencia. Grosso modo, o brasileiro carrega uma cultura de referência de Estado muito negativa. Para os professores Luiz Mendes Dias e Marcela Souza Pereira, no artigo “Corrupção Política: Uma história brasileira” há ações corruptas por parte dos governantes e dos governados em todas as épocas da história do Brasil.
       Uma cronologia do contexto mais atual, com dados pontuais da realidade do país e ponderações específicas sobre determinadas figuras se fazem importantes: ainda no primeiro governo Lula surge o escândalo do mensalão. A economia do Brasil ia de vento em polpa, bancos lucrando com nunca, a classe média fazia ponte aérea com Miami e Europa, os pobres com comida no prato. Caem alguns aliados de Lula, mas ele é reeleito com 60,83% dos votos; ou seja, Lula é reeleito com votos de toda a pirâmide social. Em 2010 deixa o governo com uma popularidade histórica de 87% de aprovação pessoal e de 80% de aprovação de seu governo.
        Dilma Roussef é eleita e em seu primeiro governo realiza a chamada “nova matriz econômica” onde atendia os interesses da indústria e empresariado brasileiro (redução de taxas de juros e tarifas de energia elétrica, desoneração tributária e crédito subsidiado, desvalorização cambial e protecionismo industrial seletivo, concessões de serviços públicos para a iniciativa privada). No final de seu primeiro mandato, a presidenta tinha 59% de aprovação e era elogiada por ser responsável pela faxina ética quando demitiu ministros envolvidos em atos de corrupção.
     Dilma se reelege presidenta da república por uma margem apertada de votos. O candidato derrotado não reconhece o resultado da eleição. Dá início no Brasil um movimento com estratégias, por parte dos derrotados, muito semelhante ao que havia ocorrido na Alemanha no final da primeira guerra mundial, a “lenda da punhalada pelas costas”. Aécio então rejeita sua responsabilidade pela derrota acusando o processo como fraudulento. Há vitimização por parte de seus eleitores e, assim como ocorreu no governo de Weimar na Alemanha, a imaginação e aceitação (popularização) da teoria da fraude proposto por Aécio, desestabiliza inicialmente o governo de Dilma deixando o terreno fértil para o que viria depois, O Bolsonarismo.
       Outros elementos, no caso tupiniquim, podem ser acrescidos para o surgimento do Bolsonarismo, como, por exemplo, a relação da classe média brasileira com a burguesia e com os pobres. O Brasil foi um dos países no qual a escravidão foi mais aceita e fomentada. A libertação dos escravos coincide com o crescimento das grandes metrópoles brasileiras, já como consequência da revolução industrial. Os negros saíram da escravidão com os farrapos do corpo, a fome no bucho e ausência de um teto para se abrigarem. Essa gente, juntamente com flagelados das secas no Nordeste do país que, como dizia Antonio Carlos Belchior caia pela força da gravidade naqueles lugares, sobe os morros e os desce apenas para servir a uma classe que surgia com a industrialização e crescimento do comércio, a classe média. Esta impregnada pelo ranço escravocrata e desejo de um dia se tornar burguês sempre agiu como tigrona para os subalternos e tchutchucas para as elites.
       O Brasil vinha de um período de distribuição de renda e ascensão social jamais experimentados em sua história pelas mãos de um trabalhador, que essa mesma sociedade por três outras vezes rejeitara e se transforma no maior estadista da história do Brasil. O pobre, o negro na era do Brasil dos trabalhadores, mas não só deles pelos exorbitantes lucros da elite, agora descia o morro não mais apenas para ocupar o elevador de serviço e o quartinho da empregada, mas para a universidade, restaurantes e saguões de aeroportos. A classe média pira, endoidece de vez, o que torna mais fácil a compreensão de sua vitimização com a derrota de seu candidato a eleição de Dilma.
       Na economia do segundo mandato, a presidenta desagrada o sistema financeiro e empresarial ao realizar um abrupto ajuste fiscal e monetário atendendo setores que se colocavam contrários a chamada “nova matriz econômica”. Enquanto isso, o país fervia saindo às ruas devido aos espetáculos midiáticos da Lava-jato que levantava a bandeira anticorrupção capitalizada por um juiz de primeira instância de Curitiba.
      O então presidente da Câmera dos Deputados, Eduardo Cunha, que era do mesmo partido do vice-presidente Michel Temer, estava sendo investigado pela lava-jato e se colocara como adversário do Planalto após o partido da presidenta (Partido dos Trabalhadores) não tê-lo salvo no conselho de ética aonde enfrentava processo de cassação. Somado a isso, Cunha realiza o jogo de levar a votações pautas-bombas e reterem pautas de interesse do Executivo. Some-se ainda, além da vitimização do candidato derrotado nas eleições, o clima econômico desfavorável e uma copa do mundo aonde a mídia deita e rola com o jargão “padrão fifa” para ecoar as críticas ao governo Dilma.
       Nesse balaio de acontecimentos surge um político inexpressivo (lembram-se da Alemanha?) do ponto de vista de atuação nos últimos 28 anos no Congresso, que pertencia ao chamado baixo clero, e de rala qualificação, mas que traz em seu discurso todo o ranço de pensamentos totalitários que ressurgiu no mundo e que representa os ideais de uma elite e classe média que, após terem se beneficiado até o talo, deixam o armário que os asfixiavam e expõem seu ódio e rancor devido alguma ascensão da classe trabalhadora e pela síndrome do quartinho de empregada vazio.
      O juiz de Curitiba, mais calculista do que emotivo, enxerga mais adiante e inicia uma jornada em direção ao seu projeto pessoal maior, o Supremo Tribunal Federal. A essa altura acreditava ele, pois era o que a mídia colocava e muitos repetiam, ser uma espécie de super-herói. Surfava nos bons resultados da operação que levara empresários e políticos importantes para a cadeia. A sua imagem é então atrelada aos pleitos das viúvas de Aécio que se vitimizavam ainda pela derrota não digerida e ao político inexpressivo logorreico, mas cada vez mais popular por expressar o que àqueles que mais se beneficiaram dos governos petistas queriam ouvir. O então Juiz passa a atuar, segundo publicado pelo site Intercept Brasil, mais político do que juridicamente. A fim de que nada desse errado em seu objetivo maior e a opinião pública o protegesse, trata ele mesmo de se lançar como mentor, articulador, condutor dos processos e julgador de alguns casos da lava-jato, dentre eles o que tratava do ex-presidente Lula. Ao procurador-chefe da operação restara-lhe, ainda segundo o que até então foi publicado por Veja, Folha de São Paulo e Intercept Brasil, cumprir ordens e se contentar em enriquecer com palestras relacionadas ao caso.
       Então, Luis Inácio Lula da Silva é preso e julgado em tempo recorde para os padrões nacionais, com aparente atuação plena do Juiz na cronologia e temporariedade dos julgamentos e ações no processo, o que garantiria a ausência de Lula no pleito eleitoral de 2018 associando mais a sua imagem ao candidato Bolsonaro. O país assolado por fake news, imprensa comprometida, povo letárgico, nesse clima, Bolsonaro é eleito Presidente da República. Como prêmio, o Juiz de Curitiba recebe o Ministério da Justiça o consequente comando da Polícia Federal, até que uma prometida e tão sonhada cadeira do STF desocupe por aposentadoria ou por morte de um de seus membros.
     Nos sete meses passados do atual governo observa-se retrocessos na área do meio ambiente, política externa, educação, direitos sociais e trabalhistas, além de previdenciário e estamos apenas no seu começo. Parte da sociedade e da imprensa outrora confiante no atual governo já não comunga com o mesmo. O intercept Brasil, revista Veja e jornal Folha de São Paulo prometem muito mais revelações, mas as fazem a conta-gotas, no entanto, a imagem do mocinho super-herói do Juiz vai se tornando desfigurada e esfacelada. Será que atingimos o fim do poço? Quanto falta até lá? Até onde irá essa letargia do povo e quando acordará desse surto coletivo? Quem está sendo contemplado com esse governo? Até quando a classe média sonhará em ser burguesa servindo de tapete para a elite abanando-lhe o rabinho e de espinho para os pobres?
      Eu, esperançoso e crente que sou, fico com as palavras do papa Francisco: A verdade vencerá a mentira.
Júlio Lima
Médico

Um comentário:

  1. Na verdade, não falta mais nada. Infelizmente já chegamos ao fundo do poço.

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